Amar, Verbo Intransitivo, Mário de Andrade, Editora Itatiaia, 2002, capa brochura, 155 páginas, 175gr.
::: "Amar, Verbo Intransitivo" foi e continua a ser atual e mesmo revolucionário. Classificado pelo autor como "Idílio", é, de fato, um romance experimental, modernista e moderno, cinematográfico. O autor expressa-se magistralmente no feminino quando cria Fräulein, a governanta alemã, professora de amar. E esta heroína se recorta com grande autonomia, ingressando no rol das melhores personagens femininas da Literatura Brasileira, machadianamente singular, acima da moralidade. :::
49. (...) Tenho a profissão que uma fraqueza me permitiu exercer, nada mais nada menos. É uma profissão.
50. O amor nasce das excelências interiores. Espirituais, pensava. O desejo depois.
53. Elza consolava a pecurrucha, com meiguice emprestada. Não sabia ter meiguice. Mais questão de temperamento que de raça, não me venham dizer que os alemães são ríspidos. Tolice! conheci.
53. Ali pela boca da noite, o viver da casa já estava reorganizado e velho. A mesma coisa de antes resvalando para a mesma coisa de em seguida.
54. "Fräulein" era pras pequenas a definição daquela moça... antipática? Não. Nem antipática nem simples: elemento. Mecanismo novo da casa. Mal imaginam por enquanto que será o ponteiro do relógio familiar.
57. Não vejo razão pra me chamarem vaidoso se imagino que o meu livro tem neste momento cinquenta leitores. Comigo 51. Ninguém duvide: esse um que lê com mais compreensão e entusiasmo um escrito é autor dele. Quem cria, vê sempre uma Lindóia na criatura, embora as índias sejam pançudas e remelentas.
57. Se este livro conta 51 leitores sucede que neste lugar da leitura já existem 51 Elzas. É bem desagradável, mas logo depois da primeira cena cada um tinha a Fräulein dele na imaginação. Contra isso não posso nada e teria sido indiscreto se antes de qualquer familiaridade com a moça, a minuciasse em todos os seus pormenores físicos, não faço isso. Outro mal apareceu: cada um criou Fräulein segundo a própria fantasia, e temos atualmente 51 heroínas pra um só idílio.
59. Fräulein se sentiu logo perfeitamente bem dentro daquela família imóvel mas feliz.
59. Qual! Fräulein não podia se sentir a gosto com aquela gente! Podia porque era bem alemã. Tinha esse poder de adaptação exterior dos alemães, que é mesmo a maior razão do progresso deles.
63. É coisa que se ensine o amor? Creio que não. Pode ser que sim. Fräulein tinha um método bem dela. O deus paciente o construíra, talqual os prisioneiros fazem essas catitas cestinhas cheias de flores e de frutas coloridas. Tudo de miolo de pão, tão mimoso!
91. Quando ele sentiu sobre os cabelos uma respiração quente de noroeste, principiou a imaginar e criticar. Criticar é comparar. Que gosto que teriam esses beijos do cinema? ergueu a cara. E, pois que era de novo o mais forte, beijou Fräulein na boca.
91. (...) A felicidade é tão oposta à vida que, estando nela, a gente esquece que vive. Depois, quando acaba, dure pouco, dure muito, fica apenas aquela impressão do segundo.
96. A imobilidade é a sala de espera do sono.
103. Porém, quando as verdades saltam do coração, nós homens intelectuais lhes damos o nome feio de confissões.
118. (...) São sempre assim os pais: quando as esperanças se projetam sobre um filho, o resto são sombras mal reparadas.
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