terça-feira, 21 de janeiro de 2025

Obra Poética Reunida - Araripe Coutinho

Obra Poética Reunida, Araripe Coutinho, Edição do Autor, 2009, capa brochura, 638 páginas, 984gr.

::: Eu não deveria ter nascido.

Quando vi, estava eu aqui, meio lama no imenso mundo retratado, cheio de quadrúpedes rondando a minha sala. Pedi para voltar. Gritei muito, antes de ouvir uma voz dizendo: desça e arrase!

A vida só é possível reinventada no dizer de Cecilia. Mas logo eu. fragilíssimo, fragilíssimo mesmo, podia agora acreditar com Caio Fernando Abreu que "lá embaixo tem uma rede de asas amparando nossa queda." Logo eu que pensei um mundo menos, mais possível neste Oscar Wilde "todos nós estamos na sarjeta, mas algum de nós olham para as estrelas",

Eu pude fincar minha vida bem no meio da floresta escura de Dante. E aqui estou até hoje, desencantado. Mas o que fazer de mim mesmo, pela graça ainda vivo? O que faço dopado de remédios que a indústria farmacêutica assassina insiste em me fazer tomar 8 comprimidos, quando um só resolveria? Como posso com o figado estéril sem nunca ter bebido uma gota de álcool continuar sorrindo sem minha bilis? Eu que sucumbo, dia após dia, diagramando meu féretro, sonhando com um epitáfio assim: "fui fluminense, o resto preferi esquecer."

A poesia para que serve? Apenas para salvar o poeta dele mesmo.

Atravancado num mundo de palavras que poderiam estar dispostas assim: "mundo, vasto mundo se eu me chamasse Raimundo não seria uma rima, seria uma solução." Drummond estava certo ou preferiria numa tarde chuvosa como Pedro Nava se matar, depois de achar que alguém se importaria que ele dormiu com um bofe. Baboseira esta da vida, achar que alguém se importa com a gente, com as nossas idiossincrasias, nossas odisseias domésticas, nossas tábulas redondas.

Entrei rindo no salão. As paredes eram de um verde-pántano, ricas de telas como em "Vestígios do Dia", homens performáticos em seus ternos erguendo algo de solene que não existia, como que quisessem ser importantes, defendendo o espaço do dono e o deles. Todos estavam ali para o meu velório, - eu circulava vivo entre todos eles, todos jurando que eu estava já morto, pronto para as exéquias - mas não! Eu ainda continuava vivo. Aceso. :::

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