sexta-feira, 12 de setembro de 2025

Farrapos de tempos idos - J. Palhano de Jesus

Farrapos de tempos idos, J. Palhano de Jesus, Casa da Moeda, 1950, capa brochura, 358 páginas, 777gr.

::: “Farrapos de Tempos Idos …”, de José Palhano de Jesus, foi finalizado em 1933, no Rio de Janeiro e impresso em 1950, quando o autor completava 75 anos[1]. Como sugere o título, conta histórias de uma época que se foi para não voltar. José Palhano de Jesus nasceu quando o Brasil era uma monarquia, passou pela abolição da escravatura, em 1888, e pouco depois pela proclamação da República. Apesar de tantas mudanças, do ponto de vista do menino que se apresenta na primeira parte do livro, a vida corria tranquila, recheada de histórias pitorescas e aventuras de criança.

O livro retrata o período em que o autor viveu na Mata Virgem, fazenda escravagista de algodão de propriedade do seu avô, localizada no interior do Maranhão, distante cerca de 80 quilômetros da cidade de Codó, à época uma pequena vila. Os costumes e as situações que compunham o jeito de viver de brancos e escravos na fazenda, entre 1880 e 1890, são apresentados ao leitor em detalhes.

O cotidiano e as impressões dascrianças aparecem em primeiro plano. Há muitas e divertidas histórias relacionadas aos brinquedos e brincadeiras da época, ao momento de alfabetização e às confusões que elas faziam ao absorver o conhecimento comum à época, pautado muito mais pela religião do que pela ciência.  Confusões que afetavam também os adultos, cercados por folclores, crendices e histórias de almas penadas e lobisomens.

José Palhano e seu irmão,Anísio, passaram a infância em longas explorações pela fazenda e suas imediações. Desde bem pequenos, com suas camisolinhas feitas pela mãe e sapatos talhados por um único sapateiro na vila de Codó, os dois passavam os dias em brincadeiras ao lado dos tios – também crianças à época – e dos “moleques e negrinhas”, como eram chamados os filhos dos escravos. Encontravam diversão em cada canto: nos currais, paióis, açudes, riachos e ranchos.

A mãe de Palhano é figura importante na narrativa: ao contrário das mães de hoje, ela não acompanhava de perto todas as aventuras – algumas até bem arriscadas – de seus filhos. Tendo se casado com apenas quinze anos com um “senhor” de 35, ficou viúva muito cedo, quando Palhano tinha apenas quatro anos e seu irmão seis. A partir daí, se dedicou a cuidar da administração da Casa Grande, de seus filhos e dos irmãos menores (já que a mãe dela estava debilitada após ter sofrido de tifo) e ainda costurava, à máquina, roupas simples que vendia aos escravos e agregados da fazenda. 

O principal produto da fazenda era o algodão, colhido por escravos que tinham a obrigação de trazer pelo menos três arrobas por dia, caso contrário eram açoitados. Palhano relata como assistiu várias vezes ao “degradante espetáculo” da pesagem do algodão, realizada no início da noite, em frente à varanda da casa. O menino viu, por exemplo, a confusão que se criou quando a velha escrava Otávia tentou esconder dentro do algodão umas duas ou três pedras para aumentar o peso e escapar da sova.

O trabalho dos negros era incessante, comandado pelo feitor branco (que por sinal era mulato), compadre Alfredo, e pelo feitor preto, chamado Ivo. O autor descreve como algumas escravas passavam o dia socando o arroz em um pilão, para separar a casca do grão. Ou como na “eira” de bater arroz e secar algodão – um grande pátio de terra socada, os escravos batiam cadenciadamente a planta com grandes paus, enquanto entoavam versos simples. Cantigas e versos faziam parte da rotina de todos, brancos e escravos, crianças e adultos. :::

Fonte: Maurício Cadaval (2024)


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